Trem abduzido

Dois dias antes do primeiro dia de férias eu me encontrava em um guichê na estação de trem de Montpellier tentando, inutilmente, chegar em Bruxelas no sábado a noite. A questão toda estava no fato de que conexão nenhuma, muito menos o trem direto, tinham vagas no trem até Paris. E de Paris, enfim, chegaria em Bruxelas.
Enquanto eu tento inutilmente uma conexão e a atendente me olha com uma cara de "coitada", Felipe me liga e garante que através de trens regionais eu chegaria em Paris até as 6 horas da tarde.

Explicação: eu comprei um passe de trem que me dava direito a uma quantidade certa de dias de viagem, nestes dias escolhidos eu poderia pegar quantos trens quisesse. Nas grandes companhias como a TGV eu precisava de uma reserva, mas nos trens regionais não. =D
ponto negativo: 3 horas tranquilas de viagem dentro de um TGV foram convertidas a 10 horas de viagem com 3 trocas de trem.

Logo volto eu para a fila gigante da estação para comprar uma passagem de Paris a Bruxelas e, depois, preparar-me para chegar até Paris (sabe-se raios como).
Dia de viagem: quarto arrumado, mochila arrumada, mala entregue para a nova moradia, uma despedida ao meu pequeno apartamento e pés na estrada. Saio feliz do hotel segundos antes do meu metro passar e eu perdê-lo. Como disse, pés na estrada.

Caminho: Montpellier - Avignon - Lyon - Dijon - Paris (- Bruxelas)

Cheguei um pouco antes das 6 da manhã na estação e olhei o grande painel. Meu trem não estava lá. O desespero me subiu pelas veias, liguei para o Felipe, guichês fechados e ninguém que pudesse me informar. Sentada na escada sem muito o que fazer escutei o alto falante mencionar meu trem e dizer que os passageiros deveriam pegar um outro trem que iria até Nimes e de lá pegar uma conexão... "ssone"... e que raios seria isso? Guardei o som na cabeça e entrei no trem para Nimes. De lá eu me virava. Ou não.
Em Nimes olhei mais uma vez para o painel e vi uma conexão para Avignon, mas logo em seguida lia-se "supprimé". Cheguei a perguntar para o homem ao meu lado o que significava e onde pegava esse trem (algum tempo depois fui descobrir que supprime era cancelado. =P que mico!), o homem me informou que esse trem não existia. Olhei mais uma vez para o painel e li o nome que procurava, uma conexão de ônibus que dizia "Carcassone" e "Avignon". Já em frente ao ônibus me perguntam "Avignon?" - "Oui". Nossa! que alivio! Sentei no trem, comi, dormi.

Já perto das 8 horas da manhã eu acordo e vejo uma bonita estrada a frente, campos, tudo tão tranquilo, tão feliz. Mas espera... meu outro trem sai as 8:16. Mais uma vez a adrenalina, 8:16 e eu não tenho nem sinal de uma cidade e uma estação! Me levanto, sabe-se raios porque, pela pressa, e a motorista me manda sentar. 8:05. 8:10. 8:12. 8:13... olha! a estação! Saio aos tropeços do ônibus, com mochilas nas costas e lanches na mão.
Painel: trem com 5 minutos de atraso... ufa!
A viagem seguinte foi tranquila, li, continuei a farofada com pão, presunto e queijo e uma garrafa de dois litros de algum suco gasoso de laranja... hahahaha. Vi a neve branquinha pela janela, cobrindo o campo, os trilhos, caindo de leve.

Bem vinda a Lyon. Lyon nevava frio e os floquinhos de neve caiam insistentemente em mim, milhares de pessoas habitavam a estação, sentados em escadas, bancos, chão. Vários paineis, guichês, plataformas. Tudo. Todos ali pareciam um pouco preocupados, ansiosos. Sentei na escada, depois sentei no chão. Chegando a hora do meu trem fiquei em frente ao painel. O trem estava com 20 minutos de atraso. 40 minutos de atraso. Não se sabe quanto tempo de atraso. "Supprimé"!! Mas que raios! Abduziram meu trem!

Nos painéis eu escutava os pedidos de desculpa e compreensão devido a grande quantidade de neve que caia e atrapalhava o funcionamento normal das ferrovias. Ouvia à minha volta pessoas ligando e dizendo que seus trens estavam em atraso ou foram cancelados, algumas no mesmo trem que eu. Fui até o guichê, que estava com filas absurdas e lá uma mulher subiu no balcão e gritou algumas palavras. Palavras que eu identifiquei: "Dijon" (minha cidade) "supprimé" e algo como "peguem o trem" "12:00". No painel havia um TGV que saia meio dia e passava em Dijon. É esse mesmo! Confirmei com uma mulher, mas mesmo que ela tivesse dito não era esse que eu ia pegar. Não era minha culpa o meu trem ter sido suprimido, abduzido ou o que quer que fosse.

Faltava menos de 5 minutos para o trem chegar, mas ainda não tinham mostrado o número da plataforma. Senti uma expectativa no ar. Haviam outros ali que esperavam o mesmo trem, a mesma letra, para correr pela estação e pegar um lugar vazio no trem. "J"! Não brinco quando digo que ouvi gritarem "go go go". Uma massa enlouquecida de pessoas se empurrou até a plataforma. Não sabia como tantas pessoas caberiam naquele trem, mas couberam e eu tive um lugar privilegiado sentada, já que por sorte ninguém veio reclamar o meu assento.
Enfim... Dijon. Dijon foi tranquilo. Consegui ir até o guichê e comprar uma reserva para Paris, reserva que sabe-se lá porque não consegui comprar dois dias antes em Montpellier. Talvez porque a mulher errou e me deu uma para 1 classe... hehehehe. O sol entrava pelas janelas da estação circular, havia uma sensação de que o tempo tinha acabado de abrir e a chuva parado. Sentei no chão. Comi meu pão com presunto apesar de alguns olhares curiosos. Fui calmamente até o trem e em poucas horas estava em Paris.

Paris pareceu-me muito mais aconchegante desta vez, cheguei na Gare de Lyon e tinha 2 horas até o próximo trem, tomei um café, andei um pouquinho. Voltei quando faltava pouco menos de uma hora. Esperei. E então achei estranho ainda não ter meu trem no painel. Por que?! Fui dar uma conferida básica na minha passagem e algo estava errado. Meu trem saia da Gare du Nord! Mais correria para comprar ticket, pegar metro, conferir metro e chegar na Gare du Nord.

A Gare du Nord é a estação do filme Amelie Poulin, é muito bonita, grande, e o painel é daqueles em que as letras giram fazendo um som antigo de coisa mecânica "pá pá pá". Escutei esse som várias vezes enquanto esperava meu trem atrasado. Mas quando enfim chegou, a viagem foi tranqüila. Passei a maior parte do tempo conversando em inglês com um holandês que estava aprendendo espanhol e discutimos a proximidade das línguas.

Enfim Bruxelas, já passava das 8 da noite e Felipe me esperava na estação.

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