Amor de bar

A primeira vez que o vi foi em um bar. Rodando um copo na mão, sujeito bobo. Riu tolo quando olhei para ele e, ambos, sem o que fazer, sentamos em uma mesa desajeitada que ficava do lado de fora. A brisa do mar estava muito gostosa, o dia claro, não passava das quatro e a praia seguia sua rotina costumeira.
Não foi preciso apresentações e nem aquela conversa banal de início de assunto. Não falamos do clima e nem da última virose que atacara a cidade. Não fizemos apresentações. Falamos da vida. Das oportunidades, do dia-a-dia, do corre e corre. Passaram-se mais algumas horas, ele ainda brincava com o mesmo copo, agora o batia na mesa com o propósito de capturar uma abelha. O tempo passou lerdo, contínuo, só por passar. Eu não me preocupei com a hora, com a casa, com o cabelo. Eu apenas via a vida, falava da vida, como se os dias passassem ali de frente a mim e eu os recontasse, analisasse.
Ele tinha a pele morena de sol e os cabelos pretos escorridos e bagunçados na testa. Uma bermuda xadrez e uma blusa preta amarrotada. 28 anos e a barba muito bem feita. Não que eu tivesse reparado de início nele, confesso, não reparei. Se não fossem ao menos seis horas passadas naquele bar não saberia dizer que ele usava chinelos engraçados, de um laranja berrante.
Ele me acompanhou até em casa, enquanto ainda falávamos como loucos e, ao invés de dizer qualquer coisa que fechasse a noite, ele apenas sorriu.
Os dias correram, não me lembro de quantos, um dia o vi caminhando à minha frente na beirada da calçada, acompanhei-o meio desajeitada, com a mochila caindo do ombro e ele me recebeu com um sorriso desconcertante.
Conversamos mais, sentamos na areia, contamos os guardas-sóis, montamos um caminho de pedras. No dia seguinte ele bateu na porta da minha casa e andamos até o meu trabalho. De noite ele me buscou e passeamos de bicicleta.
Não me lembro quantas vezes, não contei os dias. As vezes ele aparecia com uma revista e falava de algo que leu, as vezes nos beijávamos, as vezes não. Ele pegava na minha mão quando ia falar de sonhos e eu segurava seu braço quando ia falar de medos.
Todos os dias, sem falta, estávamos os dois a contar a vida, a vê-la passar. Passaram-se meses. O cabelo dele cresceu. Passaram-se anos. Ele cortou o cabelo curto. Trocamos de bicicletas e fizemos uma viagem pela costa.
Até o dia em que ele não veio, e eu não o esperei. Eu sabia que não viria. No dia seguinte ele veio. As vezes nos víamos, as vezes não. Agora eu roía unhas quando falava de medos e ele esfregava as mãos quando falava de sonhos. Ele aposentou os chinelos e as bermudas xadrez. Eu passei a usar mais vestidos. As nossas vidas corriam para onde queríamos. Eu conseguira o emprego do qual tanto falava e ele já estava prestes a terminar seu livro.
Nunca falamos sobre o que havia entre nós.
Um dia ao invés de sorrir ele me disse adeus. Eu respondi, foi sincero. As nossas vidas já nao passavam na calçada e acredito nunca ter esperado mais do que isso.
Não nos vimos mais.
Um dia vi-o em um bar, distraído, conversando. Sentamos em uma mesa e falamos de nossas conqusitas. Foi bom, passaram-se horas. Sem lembranças nostálgicas e sem arrependimentos. Nunca os tivemos. Ele sorriu alegre ao final da conversa e eu fui andando para casa.

Comentários

  1. Que conquistas? eu queria saber quais eram.

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  2. Achei o conto muito legal. Assim como a historia que conta, é leve e sem compromisso.
    Isso agarra nossa atencao e conta uma bela historia.

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