Não quero ser gaveta

Adoro revirar minhas gavetas. São quase uma extensão de mim. Ficam cheias daqueles papeizinhos que a gente se dispõe a ler depois, esperando o dia que vai ter tempo. Tempo que a gente nunca tem.
Mania estranha essa. Acho que é o medo de precisar de algo e não ter. Uma segurança ilusória. Outro dia mesmo li uma piada e ri de novo - Tem condições? -. Morro de medo de remexerem minha gaveta. Se tenho medo porque não escondo?
Gaveta parece um pedaço da gente, aquele que a gente não mostra, mas dá uma alegria cúmplice em contar para os amigos.
E aí me pergunto mais uma vez: quantas vezes eu peguei aquele papel, o mesmo papel, e disse que iria jogar fora? Não joguei. Como eu disse: segurança.
A verdade é que nunca vi gaveta organizada por muito tempo. A gente coloca ali o que quer 'esconder', seja da mãe ou das visitas. Talvez sejam as gavetas a alma dos quartos, ou da casa. Alma a gente oculta, mas não esconde.
Engraçado mesmo é pensar que podemos estar na gaveta de alguém e nem saber. Sempre ali para quando este alguém precisar de carinho ou de lembranças. Aí, quando necessários, somos tirados do escuro e da solidão. Depois colocados novamente.
Tem gente pra quem não quero ser gaveta. Quero ser porta-retrato de cabeceira.

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