O boton

Agora que posso, vou lhes contar meus queridos. Não foram anos fáceis, e ainda hoje não gosto de lembrar. Eu era moça e tinha os cabelos loiros, mas escuros. O rosto forte e bonito, de causar inveja. Escondia minha juventude atrás de roupas surradas e um velho balcão de bar. Passava os dias ali, carregando um nome falso.

Lembro-me de uma tarde, era quinta-feira e, como de costume, eu visitaria meus pais adotivos – lembro à sua memória, foram capazes de arriscar suas vidas pela minha-. Um pouco antes de deixar o serviço, um rapaz entrou pela porta. Meu coração subiu pela boca e apertei forte um copo que limpava e, agora, hesitava em permanecer em minhas mãos. O jovem moço era alto, os cabelos muito lisos e loiros partidos de lado e impecavelmente dispostos. Botas nos pés e uma camisa muito branca. Seria de todo um belo homem, se não carregasse junto ao peito um boton com a suástica, símbolo da Alemanha Nazista.

Ainda desconcertada tentei de todo parecer invisível, mas o jovem se aproximava de mim. Sorriu e sentou em um dos bancos em frente ao bar. “Deseja alguma coisa?” – falei ainda tentando não fita-lo de frente. Meu sangue fervia. “Uma cerveja, por favor.” – sua voz era leve e descontraída, apesar da postura imponente. Virei-me para pegar a bebida e, pelo reflexo do espelho dos fundos, percebi que ele devia ter minha idade. Tinha um sorriso no olhar e algo de ingênuo no semblante, talvez até de criança. “Nunca deve ter ido à guerra.” – pensei. O boton estava tão impecável quanto os cabelos. Ele parecia contente em tê-lo ali, ironicamente, ao lado do coração. Agradeci silenciosamente por seus olhos não estarem em mim.

De súbito, ele pediu que eu escutasse um caso. Não me lembro mais do que se tratava, talvez algo sobre um vizinho que acabara de casar, ou a avó que estava contente em vê-lo no exército. Ele se divertia enquanto contava e eu sorria o quanto podia, quando parecia necessário. Uma hora ele parou e me olhou nos olhos. Pareceu uma eternidade. Ele me fitava curioso – “Você é muito bonita” – completou. “Eu poderia lhe convidar para sair um dia?”. “Não, sinto muito. Estou noiva.” – menti. Ele pareceu tão desapontado que eu quase senti algo por ele. Mas o boton brilhou mais forte que seus olhos. Meu coração apertou, fui tomada pelo medo e repugnância.

Ele riu e contou outras coisas, insistiu novamente para que eu saísse com ele. Disse que me levaria até um grande restaurante e depois poderíamos passear por uma pracinha encantadora que ele conhecia. Eu sorri e agradeci, fingindo estar lisonjeada.

Ele olhou seu relógio, agradeceu a bebida e, descontraído, me disse adeus. Saiu pela porta, levando o boton e deixando o terror impregnado pelas paredes à minha volta.

Comentários

  1. O texto ficou ótimo, muito bem escrito! Mas depois gostaria de saber mais sobre o contexto do mundo vivido pelos dois. Em que país estao? Em que época da guerra? E outras coisas mais.

    Beijos, continue escrevendo magnificamente como sempre!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas