Entre o dia e a noite

A cama de Ricardo era entre a janela e a porta, mas ele não sabia qual fechava e qual deixava aberta. Seu lado direito preferia o dia, e seu esquerdo a noite. À seus pés ele tinha o frio e, logo acima de sua cabeça, o calor. Vivia a se perguntar se colocava manteiga ou mel no pão. Quando pequeno sua professora lhe perguntou: "Ricardo, qual sua cor preferida?". Ele nunca soube responder. As vezes o vermelho lhe esquentava, outras lhe trazia irritação. O azul parecia reconfortante, mas extremamente patético. O verde animava seus olhos, mas Ricardo sempre se perguntou porque o achava uma cor tão azeda. Já mais velho, não namorou, nunca soube com que garota conversar.
E os dias eram sempre assim para Ricardo, pego a pista da esquerda ou da direita no trânsito? Vou ou não vou tomar café? Hum... mas o suco também parece gostoso. Uso a máquina de xerox da recepção ou da área de economia? Faço curso de inglês ou gastronomia? Quando seus amigos o chamavam para sair ele ficava calado, pensando. Em alguns eventos ele até apareceu, mas passava boa parte do tempo se perguntando se devia ir embora ou não.
Uma quarta-feira Ricardo tropeçou, passou alguns minutos olhando para a pedra, não sabia se a tirava do caminho. Os carros passavam na rua, as pessoas continuavam suas rotinas, o Sol se deslocava ligeiramente no topo do céu. E a morte apareceu, como de costume, capuz preto e foice na mão, perguntou: "Ricardo, você quer partir?". Ele não soube o que responder. Foi quando percebeu que quando não se decidia, outros decidiam por ele.

Comentários

  1. Olá, Clarisse, gostei muito do seu blog, vc escreve muito bem. Resolvi comentar nesse texto pq sou geminiana, indecisa de mais, e me identifiquei com ele, muito bacana... Sempre q tenho um tempinho venho aqui ler.
    Obrigada pelos momentos de serenidade que seus textos me trazem.
    Abs

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